12.25.2003

"Ground Zero" em Seia: uma questão de Fé


O acontecimento de ontem, em Seia, não foi o pachorrento dia da consoada, mas o que pôde ser visto nos 4 canais da televisão aberta.
Um prédio em construção, já na fase do assentamento do telhado, cai estrondosamente em frente ao quartel da GNR, sem mais nem menos, cerca das 10 e meia da manhã.

Por milagre - como sempre acontece, em Portugal - os 4 trabalhadores que se encontravam a laborar no local estavam na parte que não caiu. Fosse ontem e ficavam todos soterrados.
Porque é que aquilo aconteceu? Estamos em Portugal, portanto tudo se fará, a partir de agora, para que nada se saiba.
Resta-nos esperar a conclusão da Inspecção Geral do Trabalho, que obrigatóriamente remeterá ao LNEC elementos estruturais para análise. Os resultados desse estudo não serão tornados públicos. Serão entregues ao Construtor e à CMS e depois... cortina de fumo.
Isso era até aqui.
Desta vez o povo não ficará sem saber porque caem pisos e prédios consecutivamente numa mesma urbanização em Seia, porque não me apetece.
Quero saber de quem é a culpa de uma derrocada generalizada daquelas ter sucedido, felizmente em fase de construção.
Mais preocupante ainda: o facto de não haver cargas no edifício de nenhuma espécie. Apenas a estrutura se encontrava de pé. Com a afluência de moradores, e a subsequente carga do recheio dos apartamentos, a rotura inevitável seria fatal para muitas famí­lias.
E o outro edifí­cio contíguo? As opiniões generalizadas de construtores e empreiteiros ontem ouvidas no local apontavam inequivocamente para erros crassos de construção. Não houve um só empreiteiro que não prognosticasse o mesmo fim para o edifí­cio anexo.
Histórias aberrantes puderam ser ouvidas durante toda a manhã e princípio da tarde naquele local sobre alegadamente outros incidentes em obras do mesmo construtor.
Generalizadamente se perguntava quem é o organismo que investiga estas obras.
Não me compete dar respostas. Mas dava-as imediatamente se soubesse. Compete-me sim, enquanto cidadão, levantar uma meia dúzia de questões.
1 - A Câmara fiscaliza as obras? Marciano Galguinho afirmou ontem "ser impossível que a Câmara pudesse fiscalizar todas as obras em construção em Seia".
2 - A Obra estava devidamente licenciada? Uns dizem que sim e os mesmos dizem que não, dependendo se falam para as televisões ou em privado. Não perceberei nunca isso.
3 - Algum responsável tinha reparado no autêntico "ribeiro" que nasce da parede da cave do 1º edifício, que a reportagem da SIC ontem revelou sem margem para dúvidas? Como é possível construir-se e aprovarem-se obras sobre linhas de água, sem o devido reencaminhamento dessas águas livres para outro trajecto?
4 - Quem é o responsável técnico pela obra? O nome ontem unanimemente ouvido não pode ser, porque não se trata de nenhum profissional inscrito na Ordem dos Engenheiros, simplesmente por não ter concluído nunca nenhuma licenciatura em engenharia.
Então porque é do conhecimento público uma informação falsa? A quem interessa esta desinformação? Esse engenheiro, seja lá ele quem for, é o último responsável legal pelo decurso da obra, a quem devem ser assacadas todas as responsabilidades e atribuídas todas as consequências, felizmente apenas materiais, do trágico acontecimento.
5 - É verdadeiro ou falso o histórico de derrocadas e sucessivos erros de construção, alteração de projectos, embargos e "poupança" de meios - que podem colocar em causa a estabilidade das obras - ontem abertamente denunciado pelos populares? Se não é, porque são tão veementemente referenciados?
6 - Porque é que um representante da Inspecção do Trabalho, que passava em Seia e alertado pela rádio, embora frisando que comentava a tí­tulo pessoal, se apressou a referenciar negativamente o proprietário da obra pelo histórico de incidentes que a empresa alegadamente regista no seu cadastro?
Muitos prognosticam já "o fim da actividade" do construtor.
Porque, dizem, "ninguém mais irá comprar andares em prédios que caem".
E eu pergunto se não seria esse o mal menor.
Felizmente este "ground Zero" deu-se ontem, e não mais tarde.
E infelizmente continuamos a substituir a exigência da competência e fiscalização técnicas bem Terrenas, pela continuada Fé no Altíssimo Protector.
"Se Deus quiser", a fiscalização começará a actuar, e mais nenhum edifício cairá.