11.13.2002

A esfregona sábia.

Portugal tem decididamente muito poucas hipóteses de singrar no futuro europeu.
E não é por causa do Portas, da Judiciária, da GNR ou do Madaíl.
É por causa da esfregona.
Da esfregona sábia, a mais aplaudida, comprada e instituída.

E porque é que uma esfregona se torna sábia, num país onde o conhecimento científico é proscrito?
Porque é sempre a mais barata. E por isso resume e legitima a nossa filosofia de vida.

A mais-barata arrasa nas prateleiras do hipermercado (único local onde se podem comprar esfregonas baratas, hoje em dia, graças à globalização) a menos-barata e a pouco-barata.
Ja não há, há muitos anos, nenhuma esfregona cara graças à mesma e providencial globalização.
Os clientes – "os portugueses" segundo a TVI - comprarão continuadamente a mais-barata de todas as mais-baratas que o mundo conseguirá embaratecer à custa da mais negra desgraça dos países do 3º mundo, por ser esse o único critério de escolha ao nivel do seu admirável discernimento Tereso-Guilhermino, e do seu progressivamente degradado orçamento familiar, ambos tendendo para um irreversível e deslumbrante zero absoluto.
Ora, normalmentre, a esfregona da treta parte-se (atinge a sua tensão crítica de plasticidade, segundo a nomenclatura científica) o mais rápidamente que lhe for possível escandalizando, com este seu mau feitio, qualquer forma de inteligência não residual.

O que está notavelmente correcto, em Portugal.
O costumeiro comprador adquirirá outra igualzinha em menos de um fósforo.
Porque continuará a ser a mais barata, da próxima vez que se dirigir à prateleira do costume.
E comprará no mesmo sítio onde foi alegremente atendido na ocasião anterior, até para que o seu provincianismo não seja sub-avaliado pelo portuga-vendedor.
Aquilo que o portuga-comprador menos deseja é que o Chico-esperto que vive à sua custa diga mal dele, na sociedade. Roubá-lo, pode ser. Difamá-lo, nunca!
Portanto, o Bimbo-Cromo continuará eternamente a comprar ao Bimbo-Pato-Bravo, perpetuando assim o ciclo da nossa inacreditável portugalidade.

E não se pense que o consumidor é confundido pela publicidade enganosa.
Nada disso.
O grafismo da esfregona pode até ser um pôr-do-sol no deserto da Namíbia, ou um catálogo corriqueiro de imagens de loiras no alto mar com a lua ao fundo…nada interessa ao consumidor, desde que a esfregona seja, de facto, a mais barata.
Atrevo-me a dizer que o produto pode até ter em letras garrafais a inscrição:"só compra isto quem for estúpido".
Desde que seja a mais barata, não repousará na prateleira.

Recordo-me há alguns anos atrás, no então Intermarché da zona industrial, quando o Victor Espírito Santo, para se divertir, fazia ao microfone promoções de produtos (durante apenas 5 minutos - 5) a preços às vezes superiores aos marcados na etiqueta original… e que desapareciam das prateleiras em segundos, para gáudio da gerência.
Que bem me lembro da velhinha de xaile preto contra-curvado a tentar carregar as 6 grades de Super Bock que tinha comprado 5$ mais caras por garrafa…

Outros tempos, o mesmo fado.
Os mesmos congressistas que vaiaram e insultaram Maria Carrilho - o único intelectual com que o PS parece ainda contar - há pouco mais de um ano, endeuzando cegamente um Guterres fartinho já de os aturar, fizeram agora pior que o contrário.
Não se redimiram, para não terem que admitir o seu engano anterior. Ovacionaram hoje aquele que ontem tinham escorraçado e ignoraram o antigo Sol. O garboso Dom Sebastião do ano passado, é hoje um ridículo Dom Quixote, para esta turba de Sanchos Pança.
Fizeram de conta que se esqueceram que Guterres alguma vez existiu, e está o problema resolvido, à boa maneira da tão portuguesa avestruz.
Simultaneamente esqueceram-se (a nova palavra de ordem do Largo do Rato) da desastrada comissão parlamentar sobre as demissões na PJ que o PS infantilmente promoveu e deixou cair sem conclusões de espécie alguma e a grande guerra movida e já abandonada (portanto, perdida) contra Portas.

Ferro, um "fialista" (segundo a sua dicção) amorfo e típico líder de transição, por sua vez insiste em passar ao lado de tudo quanto tem a ver com os verdadeiros problemas do país:
- A evasão fiscal dos que recebem do Estado milhões em subsídios,
- O perdão fiscal da mais desajeitada ministra da história, maravilhosamente aprovado pelos contribuintes que "deixaram de pagar ao fisco 1000 milhões de euros em Outubro e este mês até agora ainda ninguém pagou um tostão" (AGF).
- As falências em catadupa e as consequentes manchas crescentes de desemprego.
- A nova legislação laboral cujas implicações a nível social não foram estudadas sequer.
- A progressiva degradação do Ensino com o corte de verbas para as Universidades.
- O negócio macabro da Saúde.
- A perpétua ineficácia da Justiça, que continua a encher as prisões de pés-rapados, deixando cá fora todos os magnatas dos milhões do colarinho branco.
- A especulação da alta-finança imobiliária, os verdadeiros chefes dos governos, cujos biliões são "lavados" com toda a naturalidade em estádios, hipermercados e projectos megalómanos.
- E a crescente corrupção que alastra a todos os sectores da sociedade, de que o futebol e a GNR são apenas a ponta do iceberg.
Em vez de tratar destas pequenas ninharias, este recauchutado PS empenhou-se, isso sim, em discutir o mais subido desígnio nacional: se se vai coligar ou não nas próximas eleições!

O génio que descobriu que Portugal nunca seguiu as mais elementares regras do mercado, da qualidade e da ética, continua a fazer fortunas a vender esfregonas da treta, remetendo para a ruína todos os que tentaram fabricar esfregonas de alguma qualidade, que não insultassem, pelo menos, a inteligência do comprador.

Joao.tilly@netvisao.pt