7.18.2002

O Fogo: a Indústria que interessa a todos

Mais um verão, menos uns milhares de hectares de floresta, mais uns milhões gastos em combater os incêndios que "os portugueses" (à TVI) ateiam por este país fora numa negra e cíclica aritmética à qual ninguém parece querer pôr cobro.

E seria tão fácil acabar com os fogos florestais… bastaria colocar as inúteis e ridículas Forças Armadas Portuguesas, que nos custam 300 milhões por ano, a vigiar as florestas, para anular 95% deles, como subitamente o iluminado ministro Portas parece ter descoberto.

É claro que sempre se discutiu esta medida mas nunca ninguém a quis implementar.
E porquê?
Em primeiro lugar, pelo risco que ela envolve.
A vigilância, para surtir efeito, teria que ser realizada também no interior das matas e não apenas nas estradas circundantes. O que implicaria o risco de um qualquer grupo de vigilantes se ver subitamente cercado pelas chamas que irrompem às mais extraordinárias horas da madrugada e logo que os rastilhos, muitas vezes literalmente "caídos do céu" , detonam a incrível carga térmica que cobre os solos florestais.
Um incendiário profissional provido de meios próprios (alguns justamente destinados ao combate dos incêndios que ateiam) pode iniciar um inferno em meros 2 ou 3 minutos.
É claro que, para o extinguir, serão necessárias dezenas de homens e de viaturas, alguns aviões e helicópteros e vários dias de ininterrupta luta intensa e desigual.
Entretanto surgem invariavelmente outros incêndios nas imediações, provando que os mesmos criminosos não temem ser descobertos e por isso continuam a desenvolver com toda a impunidade a sua rentável actividade sazonal.

Em segundo lugar, porque de facto – e isto é que é o mais grave – a verdade é que não interessa a quase ninguém a redução drástica do número anual de incêndios.
Nem às empresas que fornecem as centenas de milhares de contos de equipamentos de combate ao fogo, e que, para isso, recheiam as "luvas" de quem superiormente decide essas aquisições, nem às autarquias que recebem os correspondentes subsídios para esse combate, nem às empresas detentoras dos meios aéreos, nem àquelas que os alugam e sub-alugam às seguintes, nem às corporações de Bombeiros quer Voluntários (se ainda houver verdadeiramente alguma) quer profissionais, porque isso implicaria de imediato os cortes de verbas, de equipamentos e de meios para o ano seguinte.
Apenas a área ardida interessa ir diminuindo de ano para ano, porque é esse o argumento factual que permite manter a Indústria do Incêndio a laborar com o sucesso que se lhe reconhece.
O que não tem acontecido na Vide ou em Nelas onde, em apenas 5 dias, desapareceu mais de 50% da área florestal.

Por outro lado, devemos reconhecer que é, paradoxalmente, o braseiro que paga a actualização dos meios necessários ao bom desempenho dos Bombeiros na prestação de um serviço de qualidade à população.
Se não houvesse incêndios, não haveria verba para distribuir à fartazana pelos vários interessados e intermediários do negócio, mas isso também implicaria, por exemplo, menos ambulâncias e meios técnicos para as Corporações.
Na realidade a Indústria Incendiária só não interessa mesmo ao contribuinte, ao ambiente e ao desgraçado que ficar sem a mata. E mesmo este acaba por vender a madeira queimada logo a seguir e sempre realiza algum.
Menos mal.


"O fogo-posto fica impune em Portugal"

E que concluir sobre a impunidade dos (poucos) criminosos apanhados a atear incêndios?
Só em 2001 a GNR e PJ investigaram cerca de 15% dos fogos ocorridos e identificaram 377 indivíduos suspeitos de o terem provocado. Extrapolando para o período anual, entendemos que provavelmente haverá mais de 2500 incendiários activos por ano.
Apesar deste facto, nos últimos cinco anos, apenas 185 arguidos foram julgados por crimes de incêndios florestais, e destes somente 4 (quatro!) cumpriram penas de prisão.
As estatísticas do Ministério da Justiça indicam que metade dos réus acusados de fogo posto foram absolvidos e aos restantes foram aplicadas multas ou penas suspensas.
Para ajudar à festa, a «época de fogos», que chegou em força há 2 semanas atrás "apanhou desprevenida" a vigilância das florestas, onde só metade dos postos de observação estavam ocupados. Mais de 100 postos de vigia não tinham ninguém a vigiar coisa nenhuma…

Os números da indústria

Esta semana foi anunciado pelo ministro Figueiredo Lopes que passam a estar ao serviço permanente para o ataque ao fogo: 34 aeronaves, 41.000 bombeiros (só pode ser um ligeiro lapso do ministro!!!) e 700 viaturas.
A previsão de gastos com esta indústria para o resto da época (que termina já em Setembro) é de 27 milhões de euros. A somar ao que já se gastou e não foi orçamentado e à inevitável e bem portuguesa derrapagem orçamental, lá teremos os 10 milhões de contos do costume.
Prejuízo dez vezes maior que aquele que os incêndios causarão.

Portanto, tal como acontece com a Indústria da Contrafacção, que é incentivada pelo Estado Português pela sua não-punição (com o inacreditável argumento que "essa indústria também dá de comer a muitos milhares de portugueses"…), ou como se verifica com a Indústria da Droga, igualmente acarinhada no nosso país (ao subsidiarem-se os manifestos vendedores de cocaína e heroína com o rendimento mínimo garantido, enquanto de desculpabiliza por todos os meios o seu consumo), também somos levados à conclusão de que parece ser politicamente incorrecto o combate radical ao fogo destruidor do nosso oxigénio e do nosso planeta, fogo esse que, por contraponto, vem proporcionando simultaneamente umas míseras migalhas aos que mais se esforçam, enquanto que o verdadeiro e lauto banquete anual é servido, como sempre, à mesa dos mesmos.
Queira Deus que não seja apenas o choque do meteorito de 1 de fevereiro de 2019 que resolva este e todos os outros problemas.

Esperando que nenhum soldado da paz seja engolido, este ano, pela voracidade do nosso perpetuado subdesenvolvimento e pela criminosa falta de coragem dos nossos imitadores de políticos, banais e toscas marionetas manipuladas pelos Grandes Ventríloquos Belmiros, Jardins-Gonçalves e Murteira-Nabos, me subscrevo com elevada estima e consideração pelos primeiros e o mais profundo dos desprezos pelos segundos.

João Tilly 18/7/2002