6.08.2002

MundialIVA

(publicado no Expresso Online - leitor com opinião)

No exacto dia em que o IVA, o imposto mais estúpido porque o menos descriminatório, cresceu 11,8%, colocando os portugueses definitivamente no topo Europeu dos que pagam para um Estado que pior lhes retribui, a nossa selecção de super-estrelas leva 3 seguidos do último classificado do campeonato anterior, paralizando toda a população futeboleiro-dependente que, incrédula e até ali anestesiada pelo moderno ópio do povo, via no Figo a redenção para o seu subdesenvolvimento e no Rui Costa a panacéia para a sua incultura.

Mas nem tudo correu mal. Conseguimos recuperar 2 dos 3 e se a partida não acabasse, ainda agora os Americanos estariam a correr. Os "nossos" maravilhosos craques jogam em camera lenta, muito mais artístico e estético que a velocidade normal, até porque proporciona uma melhor visão das chuteiras Nike e Adidas dos contratos dos actores; perdão, dos jogadores.

Aquele conceito de velocidade no-stress, a fazer inveja ao decano do nosso cinema, Manuel de Oliveira, foi concebido, naturalmente, por similar espécie estático-arbórea: mister António Oliveira a quem só falta o sobrenome, a escolaridade mínima obrigatória e ter nascido em Sta Comba Dão para ficar, tal como o seu homónimo, imortalizado no ranking dos mais parados dirigentes da História moderna.

Por contraponto aos jogadores, que mal se mexem, continua em corrida desenfreada a nossa Manuela Ferreira Leite, bastante mais enérgia e desimpedida, a despachar tudo em todas as direcções, aumentando impostos ao mesmo tempo que despede funcionários, ignorando deliberadamente as consequências sociais que tais despachos provocam de imediato.
É uma recorrente filosofia de direcção perfilhada em simultâneo pelo seleccionador: Vamos fazer assim… e depois, logo se vê.

E se a ministra pode corrigir a mão (à Guterres), já o mister o não pode fazer; nem o Baía pode evitar os frangos, nem o Figo, as lesões.

Mas os portugueses podiam evitá-los a todos.

A cabeça cheia de Figos e Oliveiras relega naturalmente para quarto plano temas de somenos importância como a saúde, educação, habitação e protecção social.
O raciocínio toldado pela bola e turvo pela selecção desprotege intelectualmente uma população cada vez mais desenquadrada da da europa desenvolvida.

Neste contexto, a estratégia de subir o IVA a meio da semana e do mês, no exacto dia do primeiro jogo da selecção, é simplesmente assustadora.
Mostra até que ponto o governo sabe poder arriscar na distracção popular, tratando os cidadãos como pequenas criancinhas, a quem se dá um guizo para desvalorizar o açoite.
Tal inqualificável medida constitui, por si só, um verdadeiro insulto à inteligencia da população ainda não alienada.

"Os portugueses", agarradinhos ao guizo, só acordarão desta auto-anestesia geral quando evidentemente terminar a nossa presente participação no Mundial.

E se chegássemos a ser campeões?
Com 9 milhões nas ruas a berrarem o "porque não fico em casa" nos 3 dias seguintes, para quanto poderia o governo reaumentar as portagens e o IVA?



João Tilly